sábado, maio 03, 2003





Sentidos Digitais

Se você já estava cansado de tanta zoeira eletrônica, prepare-se. Vem aí uma nova confusão dos sentidos. Dizem que é inevitável. E, toda vez que a história coloca o homem diante de uma revolução tecnológica, é batata: acabamos fazendo papel de palhaço. Basta lembrar da correria do público diante do trem que aparecia na tela das primeiras salas de cinema. Ou das poses e tombos patéticos dos homens com suas primeiras máquinas voadoras. Fingimos que já somos civilizados, mas ainda estamos próximos de nossos primos distantes, os macacos. Não é fácil admitir que a alegria primitiva dos homens das cavernas com o seu novo tacape pode ser comparada ao deslumbramento infantil com que , hoje, você anda por aí com seu novo telefone celular.

A palavra mágica da nova era é “digital”. Se você ainda não sabe o que é, não dê vexame: finja que sabe! Provavelmente nem sua namorada ou amigo mais ligado tem total certeza. A excitação com as recentes novidades tecnológicas é tão grande que rapidamente, todos se solidarizam na ignorância para não perder o trem bala da História. É fácil participar. Basta pegar uma palavra velha qualquer , colocar “digital” ao lado e pronto. Com “digital” ao lado, qualquer expressão ganha credibilidade, admiração e rigor científico. Vejamos: som digital, controle remoto digital, binóculo digital, livro digital, cabelo digital, esparadrapo digita ... uau !!! Não é que funciona mesmo ... Só que desta vez não se trata da invenção de um novo eletrodoméstico para congestionar ainda mais os “benjamins” das tomadas da sala, lembra de quando a empregada passava roupa com o ferro de passar ligado a uma dessas belezuras tecnológicas dos anos 60 ? Então preparem-se leitores, pois o mundo muda do sistema analógico para o “digital”!

A primeira providência a tomar é abrir o Aurélio e ver o que isso significa. Pronto, começou. Quem “abrir” o Aurélio já pode se considerar uma pessoa muito antiga, analógica. Nesse caso, teve de ir até a estante e pegar aquele dicionário grossão e pesado. Depois foi obrigado a folhear demoradamente as páginas, procurando pela palavra enquanto repetia mentalmente as letras em ordem alfabética. Agora, se você já é uma pessoa moderna, “digital”, basta clicar no seu micro, e pimba! Tem todo o Aurélio a seus pés. Ou melhor na tela do seu computador.

O digital do computador não vem de dedo, e sim de dígito. Mais especificamente do dígito binário, o bit – uma dupla formada pelo dígito zero e o dígito um. A tendência é que todas as mídias, conhecidas e desconhecidas falem a partir de agora essa língua ou seja uma “suruba digital” onde a TV flerta com a internet, o cinema é traído pelo satélite que tem um caso com o DVD que detesta o videocassete, tudo abençoado pelo senhor de todos o computador, que é o sacerdote supremo dessa promiscuidade cibernética chamada multimídia. E vamos parando por aqui por que só falta dizer que faremos sexo pela web ... e nossos filhos se chamarão Protheus e Pandoras.

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